terça-feira, 23 de agosto de 2011

Obcecado pelo reflexo do seu próprio rosto no vidro da cristaleira, ele percebia um novo contorno ao redor dos seus olhos. Um brilho fosco, duas taças amendoadas prontas para o brinde. Sentia com muita propriedade ser quem era e de uma maneira delicada. Sentia-se pleno. Vagava pela casa sem ter nada com que se preocupar. Abriu a porta e saiu.

Queria caminhar com muita calma - Eis um belo exemplo de alguém que está pronto para promover sua libertação: caminhar com um motivo ausente, na presença, apenas, de Deus. Na presença de todo mundo, Todomundo é deus - Tudo no mundo funciona com uma lógica tal, na mente de quem sai para andar, de quem procura expandir. Se ele fosse sem parar se quer para beber algo, será que chegaria muito longe? Em todo caso, ele não se fazia jamais essa sorte de perguntas. Como eu disse: a ideia era apenas andar e provavelmente irá parar para se abastecer, caso precise.

Ele se deu conta de que o seu andar deixa pegadas. Observação mais banal! Pensando dessa forma parecia que eram seus primeiros passos deixados no caminho, como se na sua vida toda, antes desse momento, locomovera-se sempre engatinhando como um bebê deixando tão somente rastros e um rastro é apenas um rastro, uma pegada é uma marca, uma inscrição.

Sim, havia marcas dos seus pés no chão. Cada uma delas feita de forma única, fixada pelo peso do seu corpo. Se pudesse voar se livraria delas, e poderia ver suas pegadas misturadas às de todos os outros lá do alto. Depois se deu conta de que não havia mal nenhum em deixar-se registrar no bojo da terra, na gênese de tudo. Logo virá a chuva, logo vem o vento. Isso lhe fará ver que os nossos descaminhos nunca são caminhos de volta, nossos descaminhos não passam de ciladas.