quinta-feira, 21 de julho de 2011

Esconde-se a portas fechadas num quarto e manda dizer que não está. Enquanto o medo de viver e o medo de morrer assolam uma casa vazia, abandonada. O ranger das portas dá calafrios, o vento que entra pela janela faz vibrar as cordas de um violino velho, jogado num canto, em tons menores, diminutos, dissonantes. O morador mais antigo deste lugar não sai muito do sótão claustrofóbico, preferiu fazer as malas e mudar-se de si mesmo (ele hesita, duvida; prefere evocar seus demônios no lugar onde está ao invés de exorcizar todos os aposentos e morar).

As cortinas fechadas parecem encobrir a beleza de cômodos que um dia foram arejados, amplos, exuberantes. Certamente houve outro morador na casa, há sinais por todos os lados: roupas sujas em cima da cama, loção pós-barba na metade do pote, restos de comida na pia. Esse tal estranho deixou a casa completamente desordenada e seu dono absteve-se de arrumá-la, talvez por fadiga, ou quem sabe, porque é penoso cumprir essa tarefa sozinho. Por algum motivo que eu desconheço. Ele, na verdade, jamais me contaria.

Diga assim mesmo (ele manda dizer, novamente) “Não há ninguém aqui. Não insista!”. Apesar disso, alguns chegam a frequentar a casa depois de muito bater. Eu fiquei tentado a entrar para ver o jardim viçoso lá dos fundos, cercado por um muro alto que só chamou a minha atenção porque eu vinha caminhando sem pressa. Os que chegam a entrar conhecem a casa rapidamente (menos um quarto, no ultimo andar, no final do corredor, trancado a chaves) e, claro, nada de jardim (o dono tem muito sentimento para com a casa toda). Passada uma noite, no raiar do dia, nenhum minuto a mais, o visitante é convidade a ir embora. No final das contas, o ultimo a sair é sempre responsabilizado pela bagunça.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Suas formatações de humor são as suas mãos pequenas segurando uma bandeja que dança. Todos os polos moram em Ti, em poros abertos dessa pele áspera que afaga. A ponta dos dedos tentando equilibrar um mundo. Segura firme. A língua tem sede de ferir, o beijo fala ao pé da alma. As veias funcionam em curto circuito enquanto dormes e o meu rosto, espantado, assiste essa forma diferente de respiração com o ouvido entre as suas costas. De repente, na madrugada, nu: Apoteose! És enfim divinamente! Tudo é mito tropical. Tudo é amor. Tu és o amor.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O compromisso do amor é com o próprio amor. Hoje é um belo pretexto para sair de um minuto, fazer as malas, mover o piso de lugar, pintar de amarelo toda a mobília e transformar a vida em horas, dias, semanas, meses, estações, anos embalados pela música do mar. Criar palavras novas, uma atmosfera mais amena com um quê de tropical e algodão doce. Mentir um pouquinho é sempre um bom começo, sejamos francos. Sejamos com certo charme, afinal. O amor está aí para quem quiser beber até se fartar, portanto vamos bebê-lo ouvindo Chet Baker e tomando vinho, você e eu. Nada pode ameaçar os raios de sol que entram pela janela e esquentam o tampo de vidro da mesa. Não há nada que detenha a garota que sai encabulada para comprar pães fresquinhos todos os dias, às seis da tarde, exalando que nem rosa em botão. As minhas lembranças são como um livro virgem: ainda posso sentir o cheiro das tintas, um dia, talvez, sejam amareladas e enrugadas pelas traças, em todo caso me valho da fábula que diz: a fantasia é o maior presente dado por Deus e vice-versa, e o desejo ainda é o meio de locomoção mais eficiente.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Então fica acertado assim: eu não vou mostrar os meus olhos e o que há no fundo deles para que não tenhas que conviver com a falência múltipla da minha existência e para que você não caia na tentação de aflorar seus sofrimentos demolindo assim as colunas que sustentam sua vida agitada e os seus compromissos. Por um instante vamos ensaiar um grito de desespero, “Por favor, passe a noite aqui comigo. É tão escuro!”, calado para sempre com o vento batendo bruscamente uma porta. Em seguida vamos cada um dos dois para sua respectiva casa, abrir a geladeira e pensar sobre as pessoas que perderam seus barracos e palafitas por causa da enchente. Fica oficializado que seremos pessoas traumatizadas por opção.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Só meu

Nessa madrugada tudo que sinto é um vazio,

Denso, profundo, não há sentimento algum.

Até mesmo um vazio de ideias,

Minha cabeça parou de funcionar.

Será possível falar sobre falta de ideias e ser coerente?

Nessa madrugada tudo que eu canto é lamento

Tristeza de não saber como dizer tudo que eu sinto.

É um claro claro demais pra ver,

Uma luz perigosa. É minha loucura.

Não está na tela,

Está aqui. Você vê? Aposto que não.

Mas não está aqui completamente,

É apenas sutilmente

E muitos antes daqui ela já se apagou.

Costura

Onde posso ir para remendar a minha alma? A que deixou meu corpo um dia e hoje está de volta, cativa, num peito vazio, cheio de uma lembrança espinhosa. O que era tarde jovem e morna, hoje está vencido, desfigurado numa noite de derrocada. Um lirismo inútil nesses dias. Incompreensão em tempos difíceis em que o clichê é não amar. Meu amor se despregou de mim, redimensionou seu espaço, pariu-se, caminhou e partiu-se para o seu novo lar: um lar só seu. Entorpeço-me ao supor que agora ele se prepara para colher outros frutos enquanto a minha cabeça é tomada de uma dormência causada por uma hera urticante. Eu rezo toda noite. Eu rezo aos deuses. Se eles estiverem, por ventura, pairando no meu quarto, digo que não deixem o tempo apagar, indo contra a força da mente que costuma cobrir com um pano de seda certas lembranças com o passar dos anos. Eu jorro essas palavras, a fim de que não esqueças, a fim de que permaneça gravado no seu novo código: as tardes, o espelho, a chuva, o canto, o mar, a voz, o meu velho verbo. O novo.