sábado, 29 de dezembro de 2012

Morrer, respirar...


Aprendendo a morrer todos os dias neste silêncio; desta forma eu grito mais alto as minhas alegrias, eu as  anseio com mais voracidade, eu vou resgatá-las no canal mais fundo onde eu possa encontrar o amor habitando uma zona rural em noite de estrelas silenciosas. Do lado de fora as pessoas urbanas se divorciam delas mesmas com seus ouvidos vedados pelos ruídos ácidos que corroem a possibilidade de perceber como os sentimentos podem ressoar profundamente no íntimo. Eu não queria ter a necessidade de explicar nada a ninguém com nenhuma palavra.No máximo, quero poucas palavras, e me exponho prontamente ao entristecimento e à decepção que vem do julgamento, ou do pré-julgamento... O mais importante é que, de imediato, proponho um recomeço; é assim que ajo secretamente para tentar entender você, é assim que tento entender a mim mesmo, muito embora eu esteja ocupado com as filas, com as fichas, com o horário que o trem irá passar, com o assaltante e a declaração do imposto de renda. Quando recomeçamos nossa constante de reconhecermo-nos, eu e você, e eu comigo mesmo, eu aprendo silenciosamente com todas as pessoas que habitam esta floresta, nós conversamos em volta de uma fogueira numa noite enluarada e calma, pois se você está dentro de mim é porque te amo de alguma forma. Conversas muito reais, ultimamente, tem me cansado e causado irritabilidade, portanto vamos desfrutar dessa morte, vamos respirar esse eloquente silenciar. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


Nas tuas andanças pela América do Sul, um sol lhe trouxe para que andássemos a mercê desse tempo claro e vago onde, ande, ande, ande... Ande livre com teus olhos que tudo flagram, de tudo se alegram agradecidos e por uma quimera me enquadram na sua luz. Nas tuas andanças pela casa, uma mística ideia lhe trouxe para que dançássemos quando morre o dia e nos vela a lua longe, longe, longe... Onde a nossa dança ecoará pelo universo mesmo depois do breve instante em que não haverá mais teus pés entre os meus pés.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Saudades de casa


Saudade é quando a casa está no mesmo lugar de sempre, todavia os móveis conversam entediados resmungando a falta da alegria que chegou e deixou a roupa pendurada vazia e sem sentido quando faltam os dengos que vestem todos os espaços de ternura. Saudade por tudo aquilo que ainda está pairando pelos vãos do quarto e que vejo no campo da minha janela. Uma saudade daqui de casa é, por sorte, bem próxima; e não só é feliz, como também é a saudade de estar finalmente em casa.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Escatológica


O mijo dele misturado com o meu deixa um cheiro de embriaguez no banheiro. Enquanto o seu pau esguicha na trama  macia do tapete embebido de lavandas, eucaliptos e pinho-sóis, esqueço que sou só mais uma puta nessa vida que me dá o troco por eu querer um fosso de liberdade.

Ele, então, dá descargas nos meus nervos  quando aciona a válvula da sua péssima mania de querer manter tudo na privacidade. Pobre homem de portas fechadas para a essência dos aromatizantes cheiro-de-flores-do-campo que perfumam, sem discernir, todos os sanitários, desde a casa rica até a estação rodoviária mais decadente da cidade!

Toda essa conversa de merda privada me dá reviravoltas no estomago e, inevitavelmente, afrouxo os botões da minha saia bem justa cor-de-vômito, tiro um espelhinho da bolsa, saco meu batom tutti frutti e saio sem lavar o meu corpo daquilo que ele chama de promiscuidade.

Sigo pelos acostamentos e fodo nas boleias sujas com animais que arrombam meu corpo, enfiam dedos imundos na minha garganta, me molham com o suor do seu trabalho e me olham com olhos dementes onde me vejo batizada pelas luzes  das estradas ao mesmo tempo em que os carros passam furiosos sem notar o esconderijo mais profundo da minha castidade.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Porteira

O amor é árvore viçosa e firme no chão do deserto? Ou vento que chove e duna um mar de areias secas? O que tive de minha mãe era forte e frutífero como a seiva do seu peito, o sisal do seu ventre e o jenipapeiro no cerrado do seu abraço. O que tive desse cabra era disperso, pronto para voar sobre açudes, correr a galope o vento barroso na anunciação da estiagem. (...) O amor é água e é barro; vento para secar o barro e a água para molhar o barro; barro para encher de água e acalmar a sede; água para ficar de pé e caminhar por um chão, um chão de barro, um chão de recomeço passado do pai até o filho; é um silencioso e infinito sertão visto pelas frestas de uma meditativa porteira.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Like a Rolling Stone

Se não houver um livramento eficaz desse invólucro
ao redor de mim; das marcas, das manchas e dos sinais
Se é utópico ter uma vida contrária a predestinações
Se for impossível lutar contra  uma avalanche de vontades, 
vou continuar o movimento individual que se acumula desde o íntimo  
lutando e rolando morro abaixo like a rolling stone.
  

sábado, 17 de novembro de 2012

Jam psy-acústica ijexá-folk baião-heavyloaded e os harmônicos caetaneando a liberdade de ser.
Sem saber que me confesso completamente seu amigo quando rimos; sou mais homem, mais menino, correndo na highway numa alegria explícita que eu velo de cuidados para não deixar a pureza se perder no vício de uma ilusão qualquer, tentando prolongar a felicidade e a sorte de momentos em que duas pessoas apenas se transmutam. 

Banho translúcido

Tanto querer que o rio retroceda
Quanto temer a cheia furiosa das suas águas
Fará desembocar numa vida de renuncia
É como morrer sedento todos os dias num oásis
Mas a água potável  me lava por inteiro
E descama as marcas e a história em mim
Como se lapidasse uma pedra devagar e silenciosamente
Até que se desfaça toda gruta, toda casa, toda casca...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Harmônicos para você dormir

No labirinto da sua casa eu sentia o meu desejo implodir em todos os cômodos. O medo inútil de revelar tamanha atração deu a minha voz um timbre demente, fruto de um som levado por uma respiração entrecortada como flash backs indesejáveis de um pesadelo bizarro: Eu quis lhe beijar. Ao mesmo tempo, eu tinha júbilos de satisfação pueril ao saber o quanto ele pode ser tão bom com essa tristeza calma no coração; e na sua alegria delirante e única de dançar displicentemente na copa-cozinha. Eu até me peguei olhando os seus olhos rasgados querendo me apaixonar, hora indo para cima deles, hora dissimulando tanto desejo. Já agora, a dor que me causou o seu não frente a minha incontrolável vontade, não é mais de tanto pesar diante de tantas outras dores que carrego comigo. Em sonho,  desejo intimamente que o mundo seja uma continuação da casa dele, e a vida; sempre uma extensão de noites como aquela em que eu tocava harmônicos enquanto ele dormia.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Esmeralda, vermelho e amarelo-sol

Você entra e sai do seu carro-ônibus-taxi, você entra e sai dos mesmos bares e você acredita que esse lugar já é seu, mas você não conhece verdadeiramente esse lugar: até que a cadência de uma música já esquecida bata forte no seu peito; até que os beijos sejam vermelho-terra, fogo, ar e água; até que te levem para ver a sereia coroada numa rua, onde, no transpassar das suas calçadas de pedra seus pés te levarão com paciência. Assim que se começa a conhecer esse lugar, assim que se tem samba de manhã cedinho, assim que se percebe o sabor do encontro do mar esmeralda com um  rio vermelho pulsando vida.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

V

O ar é mais puro quando o dia amanhece o mar deitado na areia
O mar que nunca dorme à procura das margens depois dos arrecifes onde rebentará
Fazendo renascer cristalina inspiração de vida dentro do peito no filtrar da alvorada
E assim é a felicidade: espessa como os raios da manhã refletindo o primeiro azul
Fruto de um desvio e de um querer.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

III


Arte bem acabada como uma colcha de retalhos, ou, quem sabe, a de um artista morto antes de escrever o final daquele que seria seu melhor romance. O artista não cegamente alimenta-se do prato de imperfeições que lhe é oferecido pela vida e vê muito mais além desses aviões que cruzam a janela da sua sala. Criticar a arte para fazer pensar a arte e também para dispensar comentários. O homem sensível é capaz de abraçar tudo que se sustenta no limite de refletir emocionando-se e emocionar-se refletindo, ou simplesmente sentir a chuva que cai do lado de fora, chovendo, deveras, do lado de dentro da sua casa.

IV

(Jura dos que ainda não se encontraram)


Alegre-se o teu coração com todo meu sofrer


Que eu também contentarei o meu com o teu


Pois os abismos e pedras colocados no caminho


Serão para cruzarmos o futuro no mesmo tempo.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Mais contradições


I

É preciso ficar atento ao fluir dessas ideias

Vá em companhia delas a uma sala angular toda espelhada
(Sem nenhuma pressa)

Caminhe com os seus pensamentos e perceba todos os enganos

II

Não acredite em máximas

Não passam de mínimas preguiçosamente pensadas

Desrespeito vil à contraditoriedade humana

Falta de caráter!


A única máxima aceitável é a do amor por todos os lados.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Reivenção


O vermelho rouco vociferou uma música violenta d´uma tempestade que reivindicava um mar de lanças e de touros. Ardia sulfúrica glande. O gozo queimava todas as chagas e fim: sem amor,  nem linguagem, apenas socos aerodinâmicos na consciência que abriram feridas deixando jorrar possibilidades.

Ele ficou chapado de vida e de contradições.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Amor andrógino

As mãos pequenas e convexas de um homem alisam os cabelos enrolados que jorram desde a nascente escondida do seu fluxo. Sob a pele áspera que cobre a silhueta feminina há algo escuso deixando meu coração de sobreaviso. A voz grave me chama como o canto de uma sereia, me envolve e me leva à execução do plano da sua dissimulação. Atrás da porta, me pressionando contra uma cômoda de moguino, no jogo certo de uma luz perigosa que não deixa clara sua beleza confusa: me domina. Urra de prazer pela madrugada, cavalga como uma ninfa e me lava os peitos com o leite da sua ambiguidade. Contraditoriamente dorme encolhido em meus braços entorpecido. É indefinido o vestígio agridoce que sai da sua pele, mesmo assim, quando está de pé: é lindo vê-lo passar.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Engavetamento

Você fica preso num engarrafamento, digerindo seu próprio caos, como se houvesse uma membrana separando a sua alma e a sua máquina do tempo do resto do mundo, te dificultando um pouco a respiração. Os que são íntimos de você estranham, mas você se resguarda, dissimula usando bem os músculos do seu rosto, você ouviu muito antes que é o melhor a fazer. Não chora mais, não pede ajuda, não esperneia. Fica ali reorganizando os seus sonhos, “ao menos faça isso” você mesmo diz. Sobram-te tão poucos sonhos, mas ainda há sonhos, uma frota imensa pronta para embarcar você. Você é um otimista. Deseja. Assobia. Vislumbra casas. Você olha pelo vidro todas as ruas e sente o desejo no peito dos transeuntes, mesmo naqueles onde não há mais nada. Você, no fundo, é um homem bom: um tolo (sorri sinceramente dentro da condução lotada). Você compreendeu a fantasia como algo de importância vital (não se sabe de onde vem esse sentimento), é uma questão moral em você, e essa prerrogativa é custosa; é necessário se fazer muito forte para não ser atropelado pelos argumentos que vem na direção contrária. Os argumentos que são os faróis das pessoas apontados para elas mesmas serão implacáveis e você fica terrivelmente constrangido vendo os seus rostos iluminados. Não te ajudam muito, e você nem mesmo quer ser ajudado. Mas você continua preso no tráfego intenso das suas horas de maré agitada quando a manhã vem. Nesses tempos, os dias são escuros como a noite, uma sombra cobre o coração das pessoas mesmo debaixo do sol mais escaldante. Você precisa dobrar tudo isso, você precisa saber disso, precisa de lucidez. Não pode mais ficar aí dentro. Você usa estratégias com a sua emoção, levanta, sai e faz seu caminho a pé. Sozinho você cruza em disparada pelos entroncamentos e coloca o seu desejo contra a via congelada que as pessoas chamam de contemporaneidade...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Hoje eu posso dizer em paz o quanto padeci, o quanto procurei, sem querer, em todos os cantos e nas epidermes (Lembrando das suas mãos pequenas) a sua altivez, as suas carícias, suas ideias, sua obscuridade e o sorriso singelo frente ao que parecia um movimento frenético numa pulsação descompassada, e a minha calma por estar ali, tal qual uma folha que tinha a função satisfeita de ser levada pelo vento inquieto. Hoje não há pudor, nem orgulho (e nunca é tão tarde), me lembro de um horizonte lilás atrás da TV onde o mundo só era pronunciável quando havia a sua voz. Isso é o essencial... bem mais do que tudo o que eu diga. Eu sigo completo, desenhando a minha própria estrada e sei que, um dia, tive o amor de quem me ensinou a arder.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Asas de Outono

Vontade de expandir, deixar que o meu coração exploda e se espalhe em mil pedaços, como formigas com asas-de-chuva borrando de vermelho as nuvens cinzas no céu. Uma vontade de me permitir essas coisas que são total perda de tempo, pois a gente teme a morte sem glórias, mas com a morte tão iminente, a minha glória é me contorcer num movimento de dentro-e-fora a cada novo dia, alimentando-me de Deus e de tudo, tecendo as minhas asas à noite para que elas se estendam a cada amanhecer, todos os dias da minha vida. Meu coração tem vontade de se soltar, de criar asas quando a chuva molha a copa de uma folha, de flutuar em busca dessa luz que não aguarda, que raia, que queima: meu coração tem necessidades. Ele quer escorrer pelo chão e evaporar e encharcar todo o meu corpo jogado no olho de um furacão e me sufocar de amor.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Labirinto

Eu seguro a minha onda
Eu embalo desajeitado a minha onda
Como um pai de primeira viagem

O gosto por me perder ajuda
Como naquela vez em que fui
Sem saber endereço certo
Como naquela vida
Sempre embarcando

A dor, de tão indescritível,
Traduz-se em palavras que florescem
Numa simplicidade de jardim.

domingo, 22 de abril de 2012

Nas inscrições da minha pele

Por trás da minha pele parda
O tempo embaixo dessa camada fosca
Um visco acoplado em células adormecidas

O universo me impõe a reorganização dos trejeitos da minha alma
Nem sempre de maneira apaziguada
Eu procuro o inusitado que rejuvenesça a minha carne apodrecida

Na minha revolta, bato a porta com força e saio no meio da noite
Quando fica humanamente difícil
Aceitar os desencadeamentos das nossas vidas 
E a insuportável sensação de que nenhuma estrada
É verdadeiramente paralela à outra

Quando um raiar de dia nos faz envelhecer,
E envelhecer nada mais é do que saber-se ainda mais só,
Os sonhos começam a se dissipar, varridos por um outono atroz

À tarde, uma serpente trocando de pele na sua dança hipnótica
Aparece como uma miragem na minha janela
E uma voz sedutora repete constantemente dentro de mim:

- Substância: um sonho.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Poema Avião

Queria compreensão e lhe ofereceram:
Insegurança

Uma briga torrida na mesa de bar:
Silêncios etílicos

Um amor místico:
Sexo apressado e corpos semivestidos

Uma amizade transcendente:
Ausência

Uma casa na França:
Sertão

O olhar mais humano em sua essência:
Pavão

Um avião como prova do meu amor:
Um Poema Avião.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Fogo

Da janela do meu quarto
Munido de um microscópio
Que captura partículas
Da beleza contraditória
D´uma tempestade,
Vejo o céu em chamas
E nuvens cheias de poesia

No horizonte da minha janela
Há um raio fugaz,
O elo entre o mundo
E os meus sentidos,
Fagulha que se desfaz
Num estalido de tempo
D´ uma miragem de estrela

São tantas as janelas
Quando temos os olhos abertos
Que levam uma senhora cuidadosa
A fechar os trincos

Mas, ao convite do trovão
Eu pulo os muros da insensatez
E pouso nas asas desse tempo

Do outro lado da janela
O Vermelho metafórico queima a minha carne.

terça-feira, 13 de março de 2012

Ar

Um pássaro negro voa leve
E pousa misterioso entre pés de girassóis
Alimenta-se de pétalas de luz
Inclina o peito na direção do azul
Semeia o tempo com grãos infinitos
Que saem da sua boca e enraízam a terra
Os ramos crescem, o vento e as chuvas levam as flores
Corroídas por explosões silenciosas dessa atmosfera ácida
Cansado das paisagens tristes que os invernos trazem
O pássaro voa distante em busca de verões
E solos férteis onde possa semear marés de flores
Em terras que só existem dentro dele mesmo.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Água

A palavra chove no meio da noite
É foz em mim, rio em mim
Escorre em mim e mata a sede
Seca-me, acusa-me , liberta-me,
Mas nunca é completamente livre de dentro de mim
Assim como eu nunca sou completamente livre dela.

Por não poder dizer as coisas da maneira certa
Eu só posso ser livre, enfim, quando eu sinto
Quando eu sou água.

Terra

Minha palavra mal dita
Talvez lhe soe saudosista e medrosa
Mas devo dizer que você pode ter razão

Minha palavra é inútil, anti-social e encruada
Vive dizendo não dizer nada
Ebule ao calor feito água

Minha palavra nada clama
Não traz acalanto algum
É radicalmente anti-nada


Minha palavra é apenas
Uma outra dimensão do mundo
(Dentro do mundo)
Idefinido e fora de ar

Minha palavra procura dezesperada
Em meio ao descontrole
Um chão onde possa se firmar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A hora da sessão coruja

Nunca foram juntos ao cinema. Definitivamente o amor deles dois não era do tipo institucionalizado, estava mais para um happening. Não é que eles achassem que não fosse durar, mas a vida deles era cheia de agito. Havia também doçura e companheirismo, mas o cotidiano beirava um filme Junkie com cenas de sexo no banheiro, muitos cigarros e dois caras acordando todas as manhãs com os cabelos compridos embaraçando-se. A idealização mais adolescente e mais gostosa do amor. Eram sempre duas canecas de café, dois pães, duas tortas, dois cigarros, duas baforadas, um trançar de pernas e braços feito um polvo mergulhado no oceano que era aquela cama, um balé de corpos magnetizados movendo-se em busca de paralelos perfeitos todas as noites num teatro abandonado, uma viagem multidimensional na terra dos sonhos mais bonitos. Um delicioso não ter o que fazer. Matavam as aulas sem procurar perdas ou danos. Brigas tolas com egos mortalmente feridos quando, num piscar de olhos, as palavras duras eram dissolvidas em copos de cerveja (nem sempre eram). Eram as pessoas ideais, um pro outro, pra viver todos os clichês amorosos. Tinham segurança total neles dois pra perder completamente a dignidade. Eram amantes, acima de tudo. Pra um dos dois cabeludos, o outro cabeludo era, muitas vezes, como um irmão mais novo que emprestava uma grana pro cigarro; alguém que lhe fez criar coragem de usar calças extremamente apertadas; alguém rodeado de segredos, era uma loucura pertinente, permitida. Veio inevitável primavevra e um sol brilhou fugaz. Eu apago a luz; às vezes penso naqueles dois e me pergunto por onde eles andarão.

Final alternativo: Eu apago a luz, fecho os olhos e apenas durmo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

As ondas

Não há nada latente, apenas ondas paradisíacas de sol nos cabelos. Sobre as ramagens dos olhos úmidos o frescor das primeiras gotas de um amanhecer tácito. No percurso da boca corre um rio de palavras macias... mornas... matinais... com o cheiro da brisa do mar e o som do canto das sereias ressoando em conchas alvas que te levam a mergulhar cada vez mais fundo até o limite de onde tudo é impulsionado.

Um lugar protegido por tigres indomados e pássaros sagazes; de onde surgem as contrações que produzem as ondas na beira da praia: a mãe das marés dos nossos sentimentos. Há de se mergulhar fundo entre as pedras e enfrentar os corais do medo de achar-se um pouco perdido. Cavuncar com as próprias mãos a lama que asfixia os nossos pulmões e queima os nossos olhos para no fim descobrirmos que há um enigma indecifrável, mas, ainda assim, ficar admirado com a força que jorra e impulsiona as ondas de enxaguar toda a praia com àguas coadas pela areia, àguas tão límpidas que fazem chorar os olhos embebidos de luz.

Assim como não se vê parte da lua, fica obscura uma banda dos nossos corações: baú que guarda saudades (saudade de uma casa envelhecida pelo salitre, de um quintal onde há um pé de maracujá, de guarda-chuvas, das tuas costas, tuas mãos pequenas e ásperas...) rios que constantemente derramam dentro de nós. Nossos medos habitam este lugar, nossas madrugadas insones habitam esta casa. Aí está o quarto onde os adultos nos punham e puniam, de onde só saíamos quando tínhamos consciência do porquê de estar ali.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Vida.

És homem quando fala da morte: raiz do teu viver na cova funda disso (Diga-me dos lugares lindos da sua mente, fale com esses olhos de açúcar.)
És menino quando dizes aquelas coisas sujas do meio audacioso das tuas pernas; teu orgulhoso caminhar vadio, tuas preocupações com o futuro...
És como um Golias ao dizer, a mim, homem feito, palavras de comando numa voz semitonada e, ao mesmo tempo, implorar com os olhos o afago da placenta de um oceano inteiro.
Sabes que não há o que temer, pois os dias e as noites foram feitos para embalar teu dorso de homem e o teu coração de menino.