quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Às vezes eu sonho ser uma dona de casa, dessas absolutamente sozinhas às dez da manhã. Uma mulher que conhece o espírito de cada hora do dia de tanto sentir e observar - três da tarde tudo pode ser doloroso demais em toda parte -, sabe das tragédias do mundo como ninguém, e também sabe escolher o corte de um bom bife. Não uma acostumada com a submissão; planeja e executa com precisão a janta, limpa todos os cantos da sua casa, faz a cama e desfaz delicadamente cada vinco nos lençóis,  aprende a conhecer o cheiro das coisas, a tirar vestígios e manchas... e canta o dia inteiro! Mas é pouco notada nas escadas do prédio onde mora, no entanto, é nesse quase anonimato que ela é mais livre do que todos nós. Ela é poeta.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Do que eu gostaria de dizer na velhice:
não sei ao certo se compreendi felicidade
- talvez seja uma maravilha de doença mental -.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013



o homem real tenta  perseverar no lodo
dentro do homem fantástico
que rebate o chicote na carne:

eu fantástico, brigo, exijo, ponho o dedo na cara e na ferida;
eu real, respiro e solto, faço apenas o que tenho que fazer,
sem  reclamar.




quinta-feira, 27 de junho de 2013

Toda alegria é conquistada com um alto teor de loucura.

Empurrada a ponta pés numa sala cheia de lanças por um carrasco

Que na sua monstruosidade tem o olhar mais doce e preocupado:

A confusão faz petrificar os fluxos de mim secando a minha calma

A alegria é um vão nesta sala apertada

Menor do que o meu corpo, maior do que a minha alma, onde mal se pode respirar

Todavia ainda cochilo no leito de pradarias verdes ao teu lado
E descanso na beleza mais pura de tudo; das pedras que são pedras,
Nas flores que são flores, na chuva que é chuva, no vento, no vento, no vento



terça-feira, 28 de maio de 2013

I

A voz  do outro lado do gancho
Estende as despedidas repetidamente
Num volume sonoro doce e fragmentado, 
Mexe com o realismo e promove na terra
A única primavera que já houve numa noite de maio.
Eu que sou tão liricamente urbano 
Transcendo, por alguns instantes, até ele,
através da linha telefônica...

me parece mais um trote da vida.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A enchente contorna a minha casa
Enquanto as feridas viram sumo
Aprendi a velejar pelas minhas emoções
E mergulho se a chuva faz o rio transbordar.  

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sabe uma das poucas alegrias que um cara ainda pode gozar?
Ter a consciência do quanto ele foi moldado
Para ter uma finalidade prática na vida coletiva
E ainda assim estar nos lugares pisando cada milímetro
Dos seus pés no chão, sorrir distraidamente,
Bater um papo com os amigos, ter grandes amigos para rirem de você
E fazer você lembrar que tudo não passa de uma grande bobagem
Tomar uma cerveja gelada, comer e ficar satisfeito
É qualquer momento em que você se deixa levar e não fica dentro de nenhum invólucro
Ideológico, você é apenas você e todos vão te achar
Lindo, mesmo aqueles mais recalcados que não tem coragem de assumir,
Nem com o olhar, o quanto você está radiante, mas dentro deles, saiba:
Mora a inveja disso que você tem
De verdade é onde você esquece de tudo e principalmente:
É onde o mundo não pode te alcançar nem te ferir.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Devoção-subversão


A devoção é a redenção
E o declínio de um homem,
É a arma do negócio
Do pacto de consórcio de alma
Mas a minha está a salvo
Porque é toda sua.

Rondando a casa dela
Sem que ninguém acordasse
Olhou-a o mais firme nos olhos
Pousou na sua face e encarou aquela respiração
Buscou enigmas no fundo da pele
Sobrepostos entre os dedos
Ou em alguma atividade não explicita da alma
Puxou uma cadeira
Para a esperança
Esperar.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

"PLANTAÇÕES EM ESTUFAS

Aqui estão as abelhas que vão fazer a diferença em sua plantação em estufa, como essas abelhas possuem o ferrão atrofiado, elas não picam, e qualquer um pode trabalhar com elas, são mansas e amáveis. Não sendo necessário usar nenhum tipo de proteção. "

(Anúncio de um site sobre criação de abelhas)


I

Eu vivo pela imponência desnorteante das luzes
De uma cidade viva e real 
Com pessoas reais, necessitadas de
Aperitivos que aos poucos
Vão erradicando suas fomes
Enquanto um punho cerrado
Se choca contra uma grande mesa
E o garçom continua espirituosamente
Chacoalhando  as bebidas sobre a palma da sua mão

Os meus olhos, que ardem diante de tanta luz, 
Constantemente embriagam-se dos sentimentos
Do meu coração e o meu corpo febril está de acordo com um mesmo ideal
O que, ainda assim, não impede essa imenso clarão onírico de me cegar  


II

Beijo com a insistência do louco o hipotético do amor
Como o pólen desperdiçado todas as tardes
Em uma única e constante flor, beijada pela boca de uma abelha operária
Que tenta fazer o seu mel na solidão de esperar em silêncios horizontais
Como que guardasse no vértice dela mesma a ultima possibilidade
De fazer um favo de mel dourado como o sol
Ou uma gota espremida de esperança

Belas paisagens de campos de muitas flores

terça-feira, 16 de abril de 2013

Dissertação escolar

Depois de uma notícia não muito agradável, fui ao banheiro me tocar um pouco. Graças a Deus, aquele momento em que tudo se desliga aconteceu, e o mais importante: sem que eu notasse me senti, por um instante, um pouco melhor. Como se o sublime estivesse ao nosso alcance. Mas essa palavra? Sublime? Ela não deveria estar fora daqui? Como eu fui capaz de usar uma palavra tão iluminada? Não se encaixaria naquela situação, isso não pode emblematizar a vida, de maneira nenhuma.

 Eu me tocando de uma forma tão gostosa, enquanto sabia que o mundo era uma avalanche. Me sentia mais conectado com todos os seres humanos da face da terra do que nunca. Depois eu refleti que os zumbis que vagam pela cidade devem fazer a mesma coisa - e não tem nada a ver com culpa, nem piedade. Não me leia achando que sinto algum pesar por isso, é justamente o contrário -  eles são sujos   e invisíveis, e  não faço ideia de como seja a vida deles, nem tenho a pretensão de dizê-lo aqui, mas sei que eles se tocam por aí, pelas ruas, disso eu sei.

Sei também que todo o resto é ilusório. A manteiga do café da manhã, o pão de sal, o café com leite. Também o são: os lençóis que forram a sua cama, as fronhas, os perfumes nas prateleiras. O papel que as gráficas enchem de palavras e design,  a notícia que invade apressada as nossas casas e em menos de vinte e quatro horas, muito menos, cheiram pior do que peixe podre. As paredes são tão irreais e ainda assim como conseguem ser tão opressoras? Tudo isso chega as nossas mãos como se viesse por um meio mágico.

Um dia você precisa comprar uma meia e o faz de acordo com aquilo que você chama de 'seu gosto'. Eu olho atentamente para a meia furada e velha que ninguém sabe qual destino irá levar, e para a meia nova que apareceu, sem precedentes, com o intuito de dar conforto aos seus pés e me dou conta de que a vida é bem simples: você não sabe de onde vem e nem para onde vai nada. Na verdade, você é uma meia sem paradeiro aquecendo e sendo pisada  pelos pés de alguém, você é o chulé de um sistema escroto. Então, você, eu, nós, umas meias simplórias qualquer, nos sentimos no direito de parecer iluminados, achando que somos pessoas autênticas.

- Porcos otários!

...

Os zumbis não se tocam solitários nas ruas, apenas, eles  também têm necessidade de comunhão como qualquer um de nós. Há mulheres zumbis grávidas por aí, elas se cobrem em busca de calor. Eu aposto como eles se beijam nas bocas sujas, se esfregam uns nos outros, são a redenção uns dos outros, apesar de, não ser muito indicado confiar neles, pois eles são capazes de qualquer coisa para consumir pedra, eles: somos todos nós: zumbis.

 Me toco muitas vezes, assim como eu sei que fazem os zumbis da rua, o alto executivo que deixa esguichar porra no seu terno Armani, a dona de casa que se esfrega na sua máquina de lavar Brastemp quando ela está centrifugando a roupa da casa toda, o porteiro que, na sua ronda noturna pelo prédio comercial, entra nos escritórios e, só de sacanagem, se toca na sala de reuniões das multinacionais, a adolescente que roça no seu ursinho de pelúcia....


segunda-feira, 15 de abril de 2013


A verdade está aqui no trigo
Simples como a ilusão do pão
Inacabada feito a vontade
Que o vento semeia nos pastos

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Rock Rural

Esperar tanto do mundo é uma ilusão de tempos atrás. As minhas mãos finalmente começam a aquietar-se, a maneira com que adentro os recintos se harmonizou - como eu sabia que se harmonizaria -, o tempo não é mais de espera, agora é o momento de colher algo que brota com perfeição e deformidade, essa coisa  chamada: inevitável. 

O meu olhar é colocado. Os meus olhos são cachos de uvas de uma serra santa, embriagados de tudo aquilo que possa ser jornada inimaginável, por que, de alguma fonte é preciso tirar a lucidez dos polos frios da terra, para, apesar de tanto, me fazer sorrir o sol. E é só isso, mais nenhum pormenor que eu me lembre para relatar aqui.

Já ia esquecendo: não quero me casar (só se for por amor), nem me ajeitar nos estudos. Quero a possibilidade que uma varanda tem de horizontalizar a vida. Poder me esticar bastante, fazer belas caminhadas, dois dedinhos de uma prosa acesa, água caindo da torneira, e a rotina, pedra brutal, lapidada pela paciência, transformada em micro cristais de amor. Isso tudo com muita sorte, meu caro. Com muita sorte.





quinta-feira, 28 de março de 2013

Na intuição do prumo
Nas nossas solidões
O amor precisa de tempo
Pois o mar de se beber
É imenso demais. 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Que nada me salve
E que ninguém venha
Num domingo qualquer
Após um telefonema estranho...

Que a cura seja urgente,
Letal como um beijo
Ou a mordida de um cão raivoso
E me dê toda aquela tremedeira 

Não quero que nada me salve.


A estética do amor,
Sua forma
De pomar

O companheirismo,
Conteúdo
De se afogar.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Antídoto

Arrebata
Ar rebata
Arê bata!
Arê bata!

domingo, 17 de março de 2013

Sorumbático

A busca pelo nada
E a impossibilidade de atar qualquer laço
A vida... tanto ensaio!

E quem sabe, finalmente ser depois da morte?
Mas ser, possa ser que seja nada.

Você voltando sempre pro mesmo ponto de onde saiu
Enquanto Deus ri seu risinho de superioridade;
Isso tudo deixa esse menino muito pálido e sem vontade de comer.

Somático

Só de brincadeira, hoje eu festejarei
E eu posso me convencer disto ...?

As palavras serão azuis
A atmosfera será lilás
Os ladrilhos irão se mover pela sala
E os lírios artificiais sobre a mesa
Serão multicores balões de gás
Viajando pelo admirável mundo

E eu posso lhe condenar por isso?




domingo, 3 de março de 2013

Para Leknar

Ele me disse que a sua pele queimava de sol, então saímos para andar juntos por aí. À noite, quando nos deitávamos, eu lhe falava das coisas bonitas que tinha para lhe dizer, lhe falava das palavras que eu queria que fossem como o chá mais doce, mais reconfortante, palavras que tivessem o frescor dos olhos dele e a imensidão do meu carinho. Impossível de dizer. Nós éramos imbatíveis nos nossos passeios, podíamos andar pelo lugar mais gasto, ou mais improvável, e a vontade de seguir descobrindo não nos abandonava, parecia que iria ser sempre assim. Não vou dizer da dureza de andar sem ele. Agora prefiro que ele saiba como foi bom ter de volta, nem que por uma pequena fração de segundos, o lirismo tão essencial, a imaginação revigorada, uma ilha num mar de abraços e carícias. Ele segurou a minha mão e soltou, não sei se porque quis ou se porque necessário. De qualquer forma, o contato com a  vida sempre me diz que tudo pode mudar. Enquanto eu vou, estou submerso nesse rio que me muda, vejo as folhas que caem lá de cima pacientemente nas águas agitadas. 


sexta-feira, 1 de março de 2013

(en) cobrir

guarda-sol
de gueixa,
ice cubes
em lavabos
furtivos

salinas 
temperam
teus seios
correndo nus
por rosenas
pátrias

pubs
praças
púbis

cantina 57
membranas
miocárdio
camarões

então

vira de lado
dorme
na implosão
anti-vontade
-vulcânica
:avesso

tesão
numa tela
borrada
de cinza


...



desfocado.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Nada morno

nada
no buli

vexame
de fumaça
inox dável

vapor
longínquo
locomotiva
sem vagão

sem café
sem cá fé
sem cá fé







terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Animus

- Sabe do que você precisa? Você precisa mesmo é de uma boa trepada. Aquela trepada de romper toda esfera de dúvidas e preocupações com ancestralidades e posteridades... nada de sexo politicamente correto... Uma trepada atemporal... cósmica... uma transa imensa... Sabe aquela trepada em que se bebe alguém e em que se é bebido? Você precisa sentir cheiro de sabonete misturado ao cheiro do sêmen ressecado na pele,  dissolvendo lentamente num banho absurdo, depois de uma bela e gostosa trepada.





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Anima

A finalidade deste canto
É canforar todos os cortes
Pegar no colo a indiferença
Segurar as horas de sofrimento
Abraçar apertado toda injúria
Acarinhar levemente o esquecimento
Colocar para dormir estes silêncios
Beijar docemente o rompimento
Aquecer com chá as guerras frias
Estancar as investidas do arrependimento

Meu viés que é canto de mulher cuidadeira
E faz do filho machucado pacífico vencedor.







domingo, 17 de fevereiro de 2013

Canibália


No caso, aqui, ser retratada como um pedaço de bife fizesse dela uma pessoa muito mais querida, digna de alguma consideração. Infelizmente ela não era um pedaço de bife para merecer o respeito desse garoto militante do greenpeace. Apesar de ela ser um leopardo, uma  onça-de-cabo verde, era "de dia sou sua flor, de noite sou seu cavalo"; apesar disto, era um animal altivo e com habilidades, portanto não havia com que se preocupar, sempre se livraria bem das garras de predadores ou   da caça de algum explorador sanguinolento (também a chamei de O leopardo, para que o seu sexo ficasse dúbio, pois sei que ela iria gostar assim, caso soubesse que alguém se importou em escrever sobre ela). Infelizmente, ou felizmente, ela tinha uma alma anarquista e acreditava que não tinha o que ensinar a esse garoto de ideias, só lamentava o fato de não ser um mico leão-dourado, assim ela teria todas as suas atenções, a sombra do seu abraço e, principalmente, as suas palavras mais amenas. Mas essa garota em extinção só se alimenta de amor de verdade.  Se ela sabe que o tempo é que faz a árvore crescer, a rosa aflorar, a tempestade silenciar, a menina ter um cheiro de mulher, há muito  para se dizer? A verdade da natureza está sempre em equilíbrio, ou em busca do equilíbrio.  As verdades que o garoto dizia a ela eram sempre para desequilibrar. Um tornado, por mais devastador que possa parecer, só se apresenta desta maneira trágica para os seres humanos, no entanto ele traz equilíbrio climático ao planeta. Em algum momento, e ela não sabe que culpa tinha nisto, tudo que o garoto proferia parecia um soco vulcânico sem  nenhuma finalidade amorosa. Descuido? Claro. Descuidar é humano, contudo a natureza nunca é descuidada. Caso ela fosse aquele bife molinho, suculento e sangrando certamente haveria mais cuidados. Ela agora está em seu quarto ouvindo rock´n´roll no ultimo volume, se refestelando de hamburguers, pois o rock é o que mais se aproxima da vida, é um carro desgovernado que passa por cima de tudo e faz um estrago danado. Ela é feliz com suas dores, assim, vestindo peles de leopardo e acenando  para seus amigos na praia. Aprendeu a ser seu próprio sol.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Todo poema se escreve só

Eu vejo do alto, os meus sapatos equilibrando-se
Na linha do Equador  
Na corda bamba que balança por causa do vento
De uma frente fria de palavras sem sol
Que ele costumava falar

Mas se até tenho paz, sol e pés
Eu estou no centro do ecoa a dor
E ninguém pode me ouvir

Estou no centro do mar
No centro da terra
Na linha do meio

Só me resta ir
Descalço e sem ver
Onde os pés irão me levar
Caminhando por qualquer descaminho.





quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013


Caracóis de sol sobre a cabeça
Eu estou sob o leme do meu coração
Um orgulho sincero de navegar
Farol lunar, horizonte magnético,
Amplitude nuclear pacificadora

Desnecessário tempestadiar
Adiar, odiar, quebrar a corrente
Em bumerangues na hora da tormenta

Mas não me tente que eu viro raio,
Faço o céu desabar
Eu rebento

Não se exima da responsabilidade de cuidar
E cuidar muitas vezes é dizer
Cuidar muitas vezes é calar


sábado, 26 de janeiro de 2013

Pedagogia do pessimismo


Ele nunca foi otimista, infelizmente nasceu com a percepção de que o ser humano é autodestrutivo desde a essência da sua criação. Não creditava sua força e juventude nos ideais de libertação do homem e dos outros animais uma vez que não tinha, verdadeiramente, paciência para o discurso social, pois aprendeu a querer mergulhar nas pessoas e sempre ajudou a mãe com o jantar e a louça por amor. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013


No calor dos quartos, nas salas fechadas, grita em vermelho o meu lado mais bestial. Pouco me importa qualquer filosofia de uma vida mais equilibrada. Eu quero cinquenta membros cortando a minha carne paralisada para que depois dessa morte surjam palavras desconexas, para que eu desaprenda qualquer coisa. Eu quero da maneira como faz um sádico, colocando uma mordaça no seu escravo  para que ele perceba e valorize o prazer de respirar novamente.

"Um cafezinho morno, por favor” diz um homem de terno cinza num posto de beira de estrada.  Por favor! Eu quero que uma rodovia enfurecida passe veloz por cima de mim, pois sou fraco, sou bicho que precisa se encostar em cercas vivas e sentir o ardor despertar do mastro espinhento que sustenta a bandeira retraída do nosso país.

Eis uma história:

À noite ele acordava, lá pelos seus oito anos de idade, o quarto muito quente e um palhaço de neon em cima do criado mudo. Seu corpo ia desajeitado pela escuridão ameaçadora, coberto pelo algodão do pijama com estampas de super-heróis que lhe prendia a circulação. O desconforto de ficar sozinho o levava à cama dos seus pais, a cama da sua concepção, e esta lhe acompanhou pelas noites como uma cruz sendo carregada pela via dolorosa. A cama da sua própria concepção sobre a sua cabeça, tal qual uma coroa de espinhos. Morria todas as noites de braços abertos com cravos entre suas mãos e pernas.

Mas voltando...

O calor dos lençóis, das roupas de baixo... me livro de tudo, e ainda assim, é inútil lançar mão dessas coisas se não tocarmos fogo na nossa cama. Tem que fazer no chão, no meio da sala, bem animalesco. Depois um cigarro. Depois as delicias. Depois o véu: finalmente o amor desabrocha. Fazemos amor com essa calma. Alguma coisa sua cresce dentro de mim e volto como um homem melhor todas as vezes. 

Agora está bem: boa noite e durmamos em paz.