terça-feira, 16 de abril de 2013

Dissertação escolar

Depois de uma notícia não muito agradável, fui ao banheiro me tocar um pouco. Graças a Deus, aquele momento em que tudo se desliga aconteceu, e o mais importante: sem que eu notasse me senti, por um instante, um pouco melhor. Como se o sublime estivesse ao nosso alcance. Mas essa palavra? Sublime? Ela não deveria estar fora daqui? Como eu fui capaz de usar uma palavra tão iluminada? Não se encaixaria naquela situação, isso não pode emblematizar a vida, de maneira nenhuma.

 Eu me tocando de uma forma tão gostosa, enquanto sabia que o mundo era uma avalanche. Me sentia mais conectado com todos os seres humanos da face da terra do que nunca. Depois eu refleti que os zumbis que vagam pela cidade devem fazer a mesma coisa - e não tem nada a ver com culpa, nem piedade. Não me leia achando que sinto algum pesar por isso, é justamente o contrário -  eles são sujos   e invisíveis, e  não faço ideia de como seja a vida deles, nem tenho a pretensão de dizê-lo aqui, mas sei que eles se tocam por aí, pelas ruas, disso eu sei.

Sei também que todo o resto é ilusório. A manteiga do café da manhã, o pão de sal, o café com leite. Também o são: os lençóis que forram a sua cama, as fronhas, os perfumes nas prateleiras. O papel que as gráficas enchem de palavras e design,  a notícia que invade apressada as nossas casas e em menos de vinte e quatro horas, muito menos, cheiram pior do que peixe podre. As paredes são tão irreais e ainda assim como conseguem ser tão opressoras? Tudo isso chega as nossas mãos como se viesse por um meio mágico.

Um dia você precisa comprar uma meia e o faz de acordo com aquilo que você chama de 'seu gosto'. Eu olho atentamente para a meia furada e velha que ninguém sabe qual destino irá levar, e para a meia nova que apareceu, sem precedentes, com o intuito de dar conforto aos seus pés e me dou conta de que a vida é bem simples: você não sabe de onde vem e nem para onde vai nada. Na verdade, você é uma meia sem paradeiro aquecendo e sendo pisada  pelos pés de alguém, você é o chulé de um sistema escroto. Então, você, eu, nós, umas meias simplórias qualquer, nos sentimos no direito de parecer iluminados, achando que somos pessoas autênticas.

- Porcos otários!

...

Os zumbis não se tocam solitários nas ruas, apenas, eles  também têm necessidade de comunhão como qualquer um de nós. Há mulheres zumbis grávidas por aí, elas se cobrem em busca de calor. Eu aposto como eles se beijam nas bocas sujas, se esfregam uns nos outros, são a redenção uns dos outros, apesar de, não ser muito indicado confiar neles, pois eles são capazes de qualquer coisa para consumir pedra, eles: somos todos nós: zumbis.

 Me toco muitas vezes, assim como eu sei que fazem os zumbis da rua, o alto executivo que deixa esguichar porra no seu terno Armani, a dona de casa que se esfrega na sua máquina de lavar Brastemp quando ela está centrifugando a roupa da casa toda, o porteiro que, na sua ronda noturna pelo prédio comercial, entra nos escritórios e, só de sacanagem, se toca na sala de reuniões das multinacionais, a adolescente que roça no seu ursinho de pelúcia....


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