terça-feira, 5 de julho de 2011

Costura

Onde posso ir para remendar a minha alma? A que deixou meu corpo um dia e hoje está de volta, cativa, num peito vazio, cheio de uma lembrança espinhosa. O que era tarde jovem e morna, hoje está vencido, desfigurado numa noite de derrocada. Um lirismo inútil nesses dias. Incompreensão em tempos difíceis em que o clichê é não amar. Meu amor se despregou de mim, redimensionou seu espaço, pariu-se, caminhou e partiu-se para o seu novo lar: um lar só seu. Entorpeço-me ao supor que agora ele se prepara para colher outros frutos enquanto a minha cabeça é tomada de uma dormência causada por uma hera urticante. Eu rezo toda noite. Eu rezo aos deuses. Se eles estiverem, por ventura, pairando no meu quarto, digo que não deixem o tempo apagar, indo contra a força da mente que costuma cobrir com um pano de seda certas lembranças com o passar dos anos. Eu jorro essas palavras, a fim de que não esqueças, a fim de que permaneça gravado no seu novo código: as tardes, o espelho, a chuva, o canto, o mar, a voz, o meu velho verbo. O novo.

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